terça-feira, 15 de junho de 2010

A Abordagem Cinematográfica da Influência Científica

Caiu-se, hoje, no lugar comum de criticar a mídia e levantar suas teorias conspiratórias. Ela é, sem dúvida, tendenciosa e distorce os fatos, mas de que jeito? Nos veículos de comunicação mais populares, como jornal e televisão, isso está mais evidente, mas e quando a mídia se confunde com a arte? É necessário ressaltar que a imparcialidade total é impossível, sendo assim, me proponho a “passear” pela história do cinema, mostrando os diversos tratamentos da ciência dentro da sétima arte.

Na década de 30, entrou em vigor na Alemanha um regime que aterrorizaria os judeus por mais de dez anos: o nazismo. Entre outros fatores, Hitler impressionou o mundo pela frieza com que pretendia selecionar os “melhores” genes da espécie humana e criar uma raça pura, a dita ariana. Como chegar a esse nível de perfeição? Fazendo experiência com pessoas vivas. Em 1979, mais de 30 anos após o Holocausto, Ingmar Bergman decidiu fazer um filme sobre o homem, porém sob a ótima do nazi-fascismo. “O Ovo da Serpente” chocou o mundo pela crueza e pela violência com que tratava, ineditamente, de alguns fatos que influenciaram a Segunda Guerra. É, sem dúvida, uma reflexão da crueldade humana, mas acima de tudo, é uma análise profunda sobre a “mania de superioridade” que acomete nossa espécie. A mídia não está alheia a essa obsessão. A comunicação representa poder e os donos dos grandes meios sempre foram poderosos. Assim disse Glauber Rocha: “O homem é mais difícil de dominar do que a massa”. A população pode agir de forma insana, como um cardume de peixes, sendo que a mídia tem influência decisiva nesse comportamento. Um humano, sozinho, é mais racional do que em grupo, pois juntos nós temos a coragem de realizar feitos que não faríamos se estivéssemos sós. Como formadora de opinião, a mídia é uma das mais responsáveis pela alienação do grande público.

Em 1972, um dos diretores mais aclamados mundialmente realizou uma de suas duas grandes obras primas, que também é a mais polêmica: Laranja Mecânica. Kubrick delineia, mesmo sem saber, um assunto que seria amplamente discutido décadas à frente: a bioética. Até que ponto a ciência é capaz de interferir na vida do ser humano? Até onde essa interferência se faz plausível e sensata? Na película, Alex é um delinqüente que, após ser preso por assassinato, é iniciado por vontade própria num programa de reeducação da postura ética. O problema é que o sistema proposto inibe o livre arbítrio do cidadão, uma vez que, começado o suposto “tratamento”, não há volta nem desistência. A massa acredita piamente nas verdades científicas, desde que sejam anunciadas por um bom “homem da ciência”. Mas esse poder dado aos cientistas não costuma ser bem utilizado e é, sempre, superestimado. A tecnologia tem sido direcionada, cada vez mais, para a medicina. Nesse âmbito, chegamos ao ponto de reproduzir a vida em laboratório. Com isso, o quadro das doenças muda radicalmente, assim como muda a reprodução humana e a nossa noção de liberdade, a exemplo: será possível selecionar genes preferidos na concepção do bebê a porvir. Situações como a citada no filme já foram projetadas e, claro, interfeririam na capacidade de escolha de cada um. Mas qual o papel da mídia nisso tudo? É ela quem dita os valores sociais. A ousadia e a quebra das regras são freadas e/ou ditadas por ela, por isso é necessário cuidado na hora veicular sua produção a um meio de informação e também na hora de analisá-lo.

Por fim, cito o filme Gataka, que trata de uma sociedade futurística que atingiu um nível em que existe a capacidade de escolher os genes queridos para os filhos. Conduzindo a vida, o homem não estaria se propondo a superar a própria espécie? Caso isso ocorresse, simplesmente deixaríamos de ser humanos. O preconceito tomaria formas inimagináveis, já que nada menos que a perfeição seria aceito. Todos seriam lindos, inteligentes, fortes e saudáveis (em padrões organizados pela mídia, é claro). Mas a grande pergunta é: onde estará a biodiversidade? Sumirão as comunidades multiétnicas e multilíngües, a cultura será padronizada e a arte, ora, o que deveras será da arte?

O sensacionalismo midiático não é novidade, mas poucas vezes é questionado. Vivemos num tempo em que a informação corre numa velocidade assombrosa. Falta-nos um filtro para distinguirmos o que é relevante do que não é, o que verossímil do que não é. Na ausência da criticidade, ficamos ao léu, à margem das possibilidades que a tecnologia pode nos oferecer. Estando alienados, nos tornamos presas fáceis para o turbilhão em que a mídia nos insere. O cinema é qualificado como arte, mas não é por isso que deixa de ser um formador de opinião. A universalização da sétima expressão artística tem importância colossal no processo de amadurecimento da sociedade. Uma prática tão popular como ir ao cinema implica numa grande responsabilidade por parte dos produtores, já que hoje, todos podem o ser. Se a massa não tem acesso à educação de qualidade ou a uma formação crítica decente, é necessário o apelo à popularização da arte. Dizendo, especificamente, do cinema, ele não só interage com todas as artes e suas tecnologias, como também é uma excelente forma de adquirir conhecimento.


Felipe de Oliveira
2010

Filmes Citados:

*O Ovo da Serpente (Ingmar Bergman, 1979)

*Laranja Mecânica (Stanley Kubrick, 1972)

*Gataka

www.comciencia.br

www.cineclubecriticasdefilmes.blogspot.com.br

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